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quinta-feira, 17 de julho de 2008

O CTB E A POLÍTICA DE TOLERÂNCIA ZERO: O ABANDONO DO ESTADO SOCIAL E A PRESENÇA DO ESTADO POLICIAL (PARTE FINAL)


Recentemente um menino de três anos, João Roberto Amorin Soares, foi vítima da ação de policiais na cidade do Rio de Janeiro. A criança, sua mãe e seu irmão mais novo, foram confundidos com traficantes e fuzilados dentro de seu próprio carro. Além do evidente despreparo desses policiais, pode-se afirmar que essa manobra policial é, também, reflexo daquilo que se convencionou chamar de política de “Tolerância Zero”, ou seja, primeiro atiramos, depois perguntamos. É nesse contexto, o da resposta estatal, que pretendemos encerrar nossa singela análise das alterações do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Como já foi mencionado anteriormente (03/07/2008), a nova legislação de trânsito amparou-se nos ideários da política de Tolerância Zero, tão festejada pelo Estado e rechaçada pelos estudiosos. Além das alterações do art. 306 do CTB, a nova Lei operou modificações no art. 302 do diploma, revogando o inciso V, do parágrafo único, do mencionado dispositivo, ou seja, a redação anterior (Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: [...] Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: [...]V - estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos) contemplava como homicídio culposo majorado quando o autor do fato delituoso estivesse dirigindo embriagado, deixando de existir essa possibilidade perante a nova lei.
Assim, causa estranheza que uma lei teoricamente mais severa excluísse uma causa majorante da pena, justamente por aquilo que pretende combater: a combinação álcool e direção. Daí que, pela precípua intenção da lei, entende-se que o poder legiferante pretendeu incluir essa conduta no tipo do art. 121 do Código Penal, ou seja, homicídio doloso submetido ao Tribunal do Júri. Tal possibilidade soa, no mínimo, absurda e evidencia a ignorância do nosso Legislativo Federal.
Isso porque, em primeiro lugar, a própria dogmática penal não permitiria tal possibilidade. Isso porque, um dos princípios mais caros do Direito Penal (e, outrossim, do Estado de Direito) é o princípio da legalidade, ou, no caso em tela, da anterioridade, que informa que não existe crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Desse modo, inexistindo o tipo específico do “Homicídio Doloso de Trânsito”, de regra, o homicídio causado na direção de um veículo automotor quando embriagado o motorista somente poderia ser tipificado como homicídio culposo de trânsito simples, sem sequer aplicar a majorante.
Ainda, outro argumento emerge do todo em pauta. Ocorre que não é de hoje que o Estado tenta incluir os homicídios de trânsito no rol dos crimes julgados pelo Tribunal do Júri. Com efeito, em vista da teoria do dolo, alguns juristas ousaram, sem sucesso, afirmar que tais crimes incluir-se-iam naqueles delitos contemplados pelo dolo eventual, ou seja, quando o autor do fato assumiu o risco de causar o resultado. Essa tese já foi repudiada, tendo em vista que, simplificando, a dogmática penal entende que não basta assumir o risco, é preciso também consentir com esse risco. Em outras palavras, não basta saber que se possa produzir o resultado, é preciso também que se queira produzir o resultado, mesmo porque, num mundo que a cada dia regurgita automóveis nas ruas, e que cada vez mais as pessoas estão motorizadas, assumir o risco é sentar atrás do volante.
À guisa de conclusão, ante essas singelas linhas, observa-se que a atual política de tolerância zero está fadada ao fracasso. Com efeito, essa nova legislação apenas vende como novas idéias antigas e ultrapassadas, sempre empunhando a bandeira da Tolerância Zero, da Lei e Ordem e de outras frases de efeito. Precisamos ser racionais e abandonar essas teorias falidas, senão amanhã, quem sabe, João Roberto poderá ser um dos nosso filhos.

Maurício Sant’Anna dos Reis
Publicado no jornal Diário de Viamão em 17 de julho de 2008.

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