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quinta-feira, 3 de julho de 2008

O CTB E A POLÍTICA DE TOLERÂNCIA ZERO: O ABANDONO DO ESTADO SOCIAL E A PRESENÇA DO ESTADO POLICIAL (PARTE I)

Muito se tem alardeado acerca da Lei n.º 11.705 de 19 de junho de 2008 que trouxe sensíveis mudanças no nosso Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Com efeito, pululam notícias na mídia acerca das prisões em flagrante de vários motoristas autuados por estarem dirigindo embriagados (art. 306). Perante isso paira uma dúvida, é necessário esse recrudescimento? Pretende-se, assim, cotejando o contexto histórico de violência no trânsito com a política de tolerância zero e a sistemática penal constitucional brasileira criticar esse novo movimento.
A questão da violência no trânsito em nosso país é alarmante, como pode ser observado pelas estatísticas do DENATRAN: apenas no ano de 2006 foram averiguadas 5.474 vítimas fatais nas rodovias estaduais brasileiras (379 no Rio Grande do Sul) e 2.903 vítimas fatais nas rodovias federais brasileiras (53 no rio grande do sul), em outras palavras 8.377 pessoas morreram em acidentes de trânsito apenas o ano de 2006, mais do que o número de soldados americanos mortos no Iraque em cinco anos de ocupação (aproximadamente 4.000 soldados morreram). Por esse prisma, a idéia do recrudescimento das leis penais, perante a sociedade, poderia ser considerado aceitável, mas, do aspecto jurídico não se justifica.
Cumpre, no entanto, antes partir à critica frontal, explicar, ainda que sucintamente, o que se entende por política de “tolerância zero”. O modelo repressivo em pauta foi adotado na cidade de Nova York durante o mandato de Rudolph Giuliani e se embasou na “teoria da janela quebrada”, que, em suma, defendia que a eliminação de pequenos delitos contribuiria para o fim dos grandes crimes. A esta política de tolerância zero credita-se a sensível diminuição da criminalidade marginal na cidade de Noiva York. No entanto, estudos sérios demonstram que outros fatores tiveram mais relevância, tanto que em cidades que não adotaram esse sistema a criminalidade também diminuiu e, em muitos casos, mais do que na Grande Maçã.
No que concerne ao nosso modelo penal constitucional, temos que é inadmissível sequer a criminalização como vem sendo feita. Isso porque, implicitamente, nossa Constituição consagra o princípio da ofensividade, ou seja, uma conduta para ser considerada delituosa precisa necessariamente ofender a algum bem jurídico, causando-lhe lesão, ou provendo risco concreto de lesão. Não é o que ocorre com o novo art. 306 do CTB, que é um caso claro de delito de perigo abstrato.
Isso fica evidenciado quando comparadas as redações dos dispositivos antes e após a edição da nova lei: de acordo com a Lei 9.506 de 1997, praticava o delito quem conduzisse veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem, ao passo que a redação da Lei 11.705 de 2008 dispõe que o crime se configura quando o agente Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência. O que a lei previa antes de 19 de junho de 2008 era que para a configuração do crime o condutor teria que estar dirigindo sob o efeito do álcool de modo a expor a dano potencial a incolumidade de outrem, ou seja, teria que dirigir mal (andar em ziguezague, subir na calçada, andar na contra-mão etc.), ao passo que, após a edição da Lei nova a simples constatação da embriaguez dá ensejo à punição, ainda que não ofereça risco.
Fica evidente que o legislador quis punir uma conduta imoral, mas não necessariamente grave, posto que não ofende, nem põe em perigo concreto o bem jurídico. Tal agir é inadmissível em nosso ordenamento constitucional e demonstra o despreparo e o descaso do nosso legislador que mais uma vez demonstra ter “desistido” do povo brasileiro, atestando sua incompetência ao instituir o estado policial (panpenalização) em detrimento de um estado social (educação e cultura). O Direito Penal deveria ser o último recurso e não, como pretende nosso legislativo, o primeiro.

Maurício Sant’Anna dos Reis

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