Bem-Vindos

O Escritório Sant'Anna dos Reis Advocacia Especializada agradece a sua visita, o seu eventual comentário e/ou o seu contato.

FALE CONOSCO

Nosso escritório pode ser contatado tanto pelo e-mail santannadosreis@terra.com.br, como pelos telefones 51 3446-6034 ou 51 9705-6104.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

A FALÁCIA DA SEGURANÇA SOCIAL: DA ILEGALIDADE DA INDISCRIMINADA QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO

Nas últimas semanas muito têm se falado acerca de interceptações telefônicas utilizadas como meio de investigação. Com efeito, a notícia de que a Polícia Federal teve para si disponibilizada uma senha hábil a mapear, em tese, os registros telefônicos de qualquer cidadão (como noticiou o Consultor Jurídico: http://www.conjur.com.br/static/text/68660,1) causa perplexidade, em vista da aniquilação daquilo que se entende por privacidade. Todavia, com o intuito de justificar tal intervenção estatal, apela-se, com sucesso, ao interesse público. Assim, a partir do cotejo, entre o interesse individual e social pretendemos verificar a (i)legalidade desse proceder.

As liberdades individuais são um marco na história do direito, em especial no direito penal e processual penal. Dentre o rol de garantias trazidos por nossa Constituição Federal destaca-se, quanto à privacidade, o inciso X do art. 5º que assegura que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas [...], e, na mesma esteira, o inciso XII: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A regra então é a proteção da vida privada de modo que excepcionalmente, para fins de apuração de crimes, será permitida a quebra do sigilo telefônico tão –somente, nos estritos termos da Lei n.º 9.296/1996.

Inobstante isso, não raras vezes à essa mitigação do dispositivo constitucional é dada elasticidade inaceitável. Isso se dá sob o argumento de segurança social, ou interesse público a partir de uma lógica contratualista rosseauniana, ou seja, em vista do contrato social devemos abdicar de direitos para a garantia da vida em sociedade. Esse argumento pactualista encontra guarida não só nos órgãos estatais de controle (aí incluídos as polícias, o Ministério Público e o Judiciário) mas também no censo comum que, de regra e em tese, é simpático a toda e qualquer medida de cerceamento de garantias individuais.

Sem embargo, por mais contestável que possa ser essa idéia de pacto social, observa-se que, no caso específico em análise (calcado na idéia de contrato, da proteção do social em detrimento do individual) a indistinta quebra de sigilo encerra uma contradição nos seus próprios termos. Isso porque, por esse contrato nos obrigamos a observar uma lei (princípio da legalidade), no caso a Lei n.º 9.296/1996, que assevera que o sigilo telefônico somente poderá ser devassado quando houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e o fato investigado constituir infração penal punida co pena de reclusão, ou seja, são necessários fundados indícios para determinar a quebra do sigilo.

Dessa exposição breve (salientamos que o tema é fascinante e ensejaria uma biblioteca de discussões), podemos concluir que a atual situação é no mínimo ilegal, quiçá kafkiana, pois é a partir da investigação de um delito que se pode autorizar uma interceptação telefônica, e não o contrário, ou seja, a partir de uma interceptação telefônica iniciar uma investigação, como se tem feito. A partir do momento que se permite a devassa indiscriminada da privacidade de todos, inverte-se a lógica da presunção da inocência, para uma presunção da culpa. Nem mesmo o argumento do bem social se sustenta, pois esse está calcado no primado da legalidade que é ignorado por essas investigações anômalas. A preocupação da segurança social em detrimento das liberdades individuais é fato na China, por exemplo, país tão criticado pelos mesmos mecanismos que festejam essa nova onda de quebra de sigilo.
---
Maurício Sant’Anna dos Reis

Nenhum comentário: