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terça-feira, 7 de outubro de 2008

A HEDIONDEZ DA LEI DOS CRIMES HEDIONDOS: DA POSSIBILIDADE DA PROGRESSÃO DE REGIME

O Direito Penal como concebido hoje tem sua matriz teórica no momento histórico conhecido como iluminismo. Nesse período havia um descontentamento com Absolutismo do Estado. A partir daí, os burgueses da época, classe submissa socialmente, mas poderosa economicamente, promoveram um levante para que lhes fossem assegurados direitos em face do Rei, do Estado. Tem-se, nessa concepção, que o Direito e, em especial, o Direito Penal, tinha como objetivo não punir, afinal em um Estado Totalitário a vontade do Rei é a lei, mas sim frear a atividade do Monarca sobre seus súditos. Emerge então um dos paradigmas mais caros do Direito Penal, a Legalidade, o que, em termos estritos (Legalidade Penal), significa dizer que não há crime sem Lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal. Assim, desdobrando-se esse entendimento, a lei nova que tiver efeitos mais graves não poderá ser aplicada ao crime praticado antes de sua promulgação.

A par disso, pode-se observar que o Direito Penal ganhou status como um dos temas mais recorrentes tanto em conversas informais quanto na grande mídia, principalmente quando associado à questão da violência. Desses movimentos, informais ou midiáticos, surge uma grande expectativa por aquilo que o “senso comum”, a par da história, entende como justo, ao menos naquele momento. Tal anseio popular, nem sempre espontâneo, leva nossos parlamentares a editarem Leis, muitas vezes de cunho populista em matéria penal, ou seja, surgem como “resposta”, mas nem de longe resolvem o problema da criminalidade. Exemplo de lei populista é a Lei n.º 8.072/1990, popularmente conhecida como “Lei dos Crimes Hediondos”. Essa lei selecionou crimes que entendia como sendo mais graves do que os outros e restringiu benefícios (democraticamente conquistados), tais como anistia, graça, indulto (espécies de perdão judicial), fiança e a liberdade provisória, de modo que, nos delitos considerados hediondos, à exceção do que se aplica aos demais, a prisão, antes da condenação, seria regra.

Note-se, a lei nada dispôs acerca da progressão de regime, instituto da pena (ou seja, pós-condenação), que busca a reinserção gradual do apenado na sociedade, possibilitando a ressocialização do mesmo. Coube, então, aos nossos Tribunais decidirem, através da jurisprudência, acerca da possibilidade da progressão de regime nos crimes tidos por hediondos. Surpreendentemente, contrariando a lei e os princípios que norteiam o Estado Democrático e de Direito, os Tribunais entenderam pela impossibilidade de progressão de regime para os crimes os quais descreve a comentada lei. Como, a toda evidência, esse entendimento discrepava de todo o conhecimento jurídico penal, em 23 de fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o paradigmático Habeas Corpus n.º 82.959-SP firmou o entendimento que se a lei não dispôs acerca da progressão de regime, não seria o judiciário competente para fazê-lo, devendo ser dado igual tratamento aos delitos considerados hediondos, permitindo a progressão de regime quando completados 1/6 (um sexto) do cumprimento da pena, desde que ostentasse o preso bom comportamento carcerário.

Quando, no entanto, se pensava que a celeuma estava resolvida, mais uma vez o Legislativo Federal decidiu intervir e, se é certo que se discutiu durante anos para se concluir pela possibilidade da progressão de regime nos crimes hediondos, também é certo que cedendo à pressão da mídia, nossos parlamentares, em mais um gesto impensado e populista, não precisaram de um ano para formar sua convicção: em 28 de março de 2007 foi promulgada a Lei n.º 11.464, que entre outras medidas, permitiu a liberdade provisória e estabeleceu expressamente a possibilidade da progressão de regime, mas, apenas depois de cumpridos 2/5 (dois quintos) e não 1/6 (um sexto) da pena, como anteriormente delimitado. Essa nova lei trouxe consigo outra questão, qual seja, a partir de quando deveria ser aplicado o novo prazo para progressão. Não tenham dúvidas, a primeira inclinação dos nossos Tribunais foi que para todos os delitos hediondos, praticados a qualquer tempo, seria aplicado o novo prazo, sob o argumento de que a nova lei foi a primeira a dispor acerca do assunto. Esse entendimento é reconhecidamente falacioso, tendo em vista que o STF já havia decidido como se daria a progressão de regime, logo, a nova lei é pior, portanto não pode retroagir, ou seja, não afeta quem tenha praticado o crime antes de sua edição.

Assim, concluindo, somente aos crimes praticados após sua promulgação é que incidirá a nova lei. Por mais que pareça injusto e ainda que o problema da violência esteja atingindo cifras absurdas, tais conquistas Democráticas são caras demais para serem deixadas de lado. Não é o caso de proteger um eventual delinqüente, mas sim de proteger todo um Estado Democrático e de Direito, como é o caso do Brasil.


Maurício Sant’Anna dos Reis

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